- Bruno Alves Pinto

- 20 de out.
- 2 min de leitura
Atualizado: 21 de out.

Primeira Parte
Nebulosas
A epígrafe do poema cita o astrônomo francês Charles-Eugène Delaunay, que define as nebulosas como manchas do céu e, a partir dessa imagem científica, o poema desloca-se para uma visão simbólica: não são neblinas, mas “cisnes” de luz, grupos ordenados que a ciência confirma e a imaginação sacraliza. A autora confessa ter aprendido a sondar seus mistérios desde que a “fâmula da ideia” lhe abriu o templo da inspiração; segue-as no espaço, veste-as de meteoros e, tomada por um teísmo arrebatado, vê nelas a obra mais delicada do Criador. As nebulosas tornam-se lágrimas de anjos que se convertem em astros, ligadas a um momento absoluto — a morte do mártir do Calvário — em que o espírito é arrebatado ao céu. Até o sol repousa nelas, e os orbes nutrem-se de seu brilho, como se o tecido do universo ondulasse mais belo sob esse pranto luminoso.
A partir daí, a função ética e afetiva desse firmamento é expandida: os infelizes esquecem o destino funesto ao se deixarem tocar por seus reflexos; o amor floresce na jovem que lhes segue os rastros. Quando a poetisa é tomada pelo desalento e pela descrença, ergue os olhos e encontra nas nebulosas um colar de luz que a envolve e salva. Deste encontro nasce um êxtase: liberta, ela ascende pelas esferas, encara o abismo do mundo, descobre “lagunas encantadas” da poesia e prova delícias do sentimento sob o sol da glória. O retorno à terra, porém, é áspero: o vale é deserto, a noite estende sondas, a aurora a faz chorar; ainda assim, como ave de amor, ela povoa a solidão com gorjeios melancólicos.
Dessa travessia, ela explica, surgem seus versos: tristes, avessos às pompas do mundo e aos “triclínios” mórbidos do poder. Em vez de repousarem sob tetos áureos, eles cruzam invernos e, livres, voam às “estâncias consteladas” onde as nebulosas pairam. A poesia, assim, toma para si a liberdade de devassar os mistérios do infinito, subindo até o “sólio de Deus” — movimento extremo que paradoxalmente termina em exaustão, como se, ao tocar o absoluto, o canto se desfizesse “exânime”. O conjunto articula ciência e mística, dor e consolo, queda e ascensão, para afirmar a vocação da poesia como mediação entre a miséria terrestre e o esplendor cósmico.
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