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  • Foto do escritor: Bruno Alves Pinto
    Bruno Alves Pinto
  • 15 de out
  • 3 min de leitura

Atualizado: 20 de out


Nebulosas Narcisa Amália


Texto Original Completo (em domínio público)

Primeira Parte

Nebulosas


Dá-se o nome de Nebulosas a manchas esbranquiçadas que se veem aqui e ali, em todas as partes do céu.

DELAUNAY.

No seio majestoso do infinito, — Alvos cisnes do mar da imensidade, — Flutuam tênues sombras fugitivas Que a multidão supõe densas neblinas, E a ciência reduz a grupos válidos; Vejo-as surgir à noite, entre os planetas, Como visões gentis ao fluxo dos sonhos; E as esferas que se curvam trêmulas Sobre elas, desfolhando flores de ouro, Roubam-me instantes ao sofrer recôndito!

Costumei-me a sondar-lhes os mistérios Desde que um dia a fâmula da ideia, Livre, ao sopro do gênio, abriu-me o templo Em que fulgura a inspiração em ondas; A seguir-lhes no espaço as longas clâmides Orladas de incendiados meteoros; E quando da procela o medo arcanjo Desdobra na amplidão as negras asas, Meu ser, pelo teísmo desvairado, Da loucura debruça-se no pélago!

Sim! São elas a mais gentil feitura Que das mãos do Senhor há resvalado! Sim! De seus seios, na dourada urna, A piedosa lágrima dos anjos Ligeira se converte em astro esplêndido! No momento em que o mártir do Calvário A cabeça pendeu no infame lenho, A voz do Criador, em santo arrojo, No macio frouxel de seus fulgores, Ao céu arrebatou-lhe o calmo espírito!

Mesmo o sol, que nas orlas do oriente Livre campeia e sobre nós desata A chuva de mil raios luminosos, Nos lírios sidéreos do seu regaço Repousa a fronte e despe a rubra túnica!

No constante volver dos vagos eixos, Os orbes em parábolas se encurvam, Bebendo alento no seu manso brilho! E o tapiz movediço do universo Mais belo ondeia com seus prantos fulgidos!

E quantos infelizes não esquecem O horóscopo fatal de horrenda sorte, Se, no correr das auras vespertinas, Seus seres vão pousar-lhes sobre a coma Que as madeixas entrelaçam do crepúsculo! Quanta rosa de amor não abre o cálice Ao bafejo inefável das quimeras, No coração temente da donzela, Que, da lua ao clarão dourando as cismas, Lhes segue os rastros na cerúlea abóbada?!...

Um dia, no meu peito, o desalento Cravou sangrenta garra; trevas densas Nublaram-me o horizonte, onde brilhava A matutina estrela do futuro. Da descrença senti os frios ósculos; Mas, no horror do abandono, alçando os olhos Com tímida oração ao céu piedoso, Eu vi que elas, do chão do firmamento, Brotavam em lucíferos corimbos, Enlaçando-me o busto em raios mórbidos!

Oh! amei-as então! Sobre a corrente De seus brandos, notívagos lampejos, Audaz, libertei-me nas azuis esferas; Inclinei-me, de chamas circundada, Sobre o abismo do mundo turvo e lúgubre! Ergui-me ainda mais: da poesia Desvendei as lagunas encantadas, E prelibei delícias indizíveis Do sentimento nas cadeias sagradas, Ao clarão divinal do sol da glória!

Quando desci mais tarde, deslumbrada De tanta luz e inspiração, ao vale Que pelo espaço abandonei sorrindo, E senti calcinar-me as débeis plantas Do deserto as areias ardentíssimas; Ao fugir dos sondais que estende a noite Sobre o leito da terra adormecida, Fitei chorando a aurora que surgia! E — ave de amor — a solidão dos ermos Povoei de gorjeios melancólicos!...

Assim nasceram os meus tristes versos, Que do mundo falaz fogem às pompas! Não dormem eles sob os áureos tetos Das terrenas potestades, que falece De morbidez nos flácidos triclínios!

Cortando as brumas glaciais do inverno, Adejam nas estâncias consteladas Onde elas pairam; e à luz da liberdade, Devassando os mistérios do infinito, Vão, no sólio de Deus, rolar exânimes!...




 
 
 

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