- Bruno Alves Pinto

- 20 de out.
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Prefácio
IV
A quarta parte do prefácio inicia com uma profissão de fé na força transformadora da literatura e, sobretudo, da poesia, contraposta à política e à indústria. O autor sustenta que cada povo tem hábitos renitentes e que a política, “arte dos nulos e perversos”, raramente fornece um fundamento racional; cita Luís XI, Voltaire, Montaigne, Montesquieu e Talleyrand para ilustrar a confusão e a hipocrisia do jogo político. Em contraste, afirma a eficácia moral do lirismo — traço da infância dos povos — que, no Brasil, não batizou o berço da nação livre, mas acompanhou a conquista da autonomia. Daí deriva uma defesa da poesia como energia cívica capaz de corrigir o presente.
Segue-se um panorama da literatura brasileira: enaltece a lírica de Gonçalves Dias como ápice e aponta Teixeira e Sousa como continuador inferior, embora valioso romancista. Defende que estátuas e memórias de pedra deveriam celebrar nossos poetas, incluindo José Basílio da Gama, cujo Uruguai é resumido como epopeia da guerra luso-espanhola contra os índios das Missões, com os jesuítas como instigadores. Reconhece outros méritos de Basílio por descrever o jesuíta e ferir o despotismo. Traça uma linhagem da formação literária nacional: Magalhães como criador, Porto Alegre como desenvolvedor, Macedo como propagador e Alencar como crítico e aperfeiçoador das “grandes telas”. Entre os líricos, destaca a energia imagética de Casimiro de Abreu; celebra Álvares de Azevedo como gênio e “cantor da morte”; e situa Bernardo Guimarães como bucólico-elegíaco. Para a épica, nota poucos representantes e promessas que não alcançam a epopeia da guerra; para o drama, lamenta a rarefação de cultivadores e enumera autores desviados, silenciados ou acomodados, para concluir que o teatro brasileiro não carece de exotismo oriental, mas de explorar a própria história — marítima, militar, política — como a Idade Média europeia o fez por meio dos trovadores. Há uma ponta de ironia institucional ao questionar o destino do Conservatório.
Nesse quadro crítico — entre naufrágios de talentos “atados à galé da política” e a hostilidade de “fabricantes de autômatos” — surge a exaltação de Narcisa Amália. O autor a apresenta como impulso e ornamento de uma nova época literária, capaz de redigir “aforismos poéticos” com autoridade quase aristotélica. Atribui-lhe um entusiasmo moral enraizado em educação doméstica austera e patriotismo, uma melancolia não inata, mas forjada pela inconstância da sorte, e um desprezo pela canalha subalterna das letras, distinguindo-a da “canalha ilustre”. Eleva-a de “tipo” a “heroína”, pede que seu livro seja julgado — não apenas elogiado — e profetiza-lhe honras de “Princesa das letras”, chegando a proclamá-la a primeira poetisa dos nossos dias, mais ilustrada que suas antecessoras. Em imagem astronômica, declara que Delfina da Cunha, Nísia Floresta e outras foram auroras efêmeras, ao passo que Narcisa é astro de órbita definida, destinado a produzir tristezas e alegrias no leitor. O fecho recusa a crítica analítica convencional: entre visões do lirismo e da glória artística que passam como vultos trágicos, o prefácio prefere a afirmação enfática da missão ética e estética da poesia — e, no centro dela, a consagração de Narcisa Amália como sinal de futuro.
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