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  • Foto do escritor: Bruno Alves Pinto
    Bruno Alves Pinto
  • 14 de out.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de out.


Nebulosas Narcisa Amália


Texto Original Completo (em domínio público)

Prefácio

IV


Creio nos esforços da literatura contemporânea.

Cada povo tem faculdades primitivas e necessidades particulares. As ideias arraigadas nos hábitos desse povo não cedem seu império senão depois de combates porfiados e lutas sanguinolentas. É por isso que, ante as conveniências da política e as necessidades da indústria, a poesia não se justifica.

Eu sei que a rotina, economicamente falando, tem a sua justificação; portanto, anistiemos desta batalha a Indústria e digamos por que é oposta à política.

Tem o seu fundamento histórico sem ter o racional, a demonstração.

A política tem sido e continuará a ser, em muitos casos e em muitos países, a arte e a ciência dos nulos e perversos.

Luís XI, apesar dos seus oficiosos biógrafos, é um cínico; Voltaire, Montaigne e Montesquieu, por orgulho político, quiseram explicar os dogmas e os segredos das instituições. Tudo confundiram. Talleyrand foi mais célebre pela hipocrisia que pelo seu gênio. Ele, outros e muitos, e nesse número alguns dos nossos pretensos estadistas que fazem praça de muito sagazes, são desdenhados. Voltaire político é um intrigante inepto; mas o poeta da solidão de Ferney era um castigo dos déspotas.

Rousseau é admirado unicamente naquelas obras em que o filósofo ou o político é vencido pelo poeta.

Entremos, ou penetremos, a nossa lareira.

Atados à galé da política, vemos Pedro Luís e Bittencourt Sampaio, náufragos, mar em fora, ludibriados pelas mesmas ondas que dali os arrancaram.

Como a imagem da Esperança nas lendas pagãs, José de Alencar tem um braço no céu e outro na terra.

Teimam e insistem, lutam e sustentam um dia artificial em plena escuridão Joaquim Serra, Celso Magalhães, Salvador, Menezes, C. Ferreira e F. Távora.

Agora vem Narcisa Amália.

Contra estes vejo uns fabricantes de autômatos, arreados de lodo, cheios de ignorância, que nos detestam e nos perseguem.

Sim; eu creio nos esforços da literatura, nos resultados eficazes da poesia.

O lirismo, que tem sido a feição predominante da infância de todos os povos, não batizou o nosso berço de nação livre, mas nos acompanhou nos jubilosos dias da conquista da nossa autonomia nacional.

A poesia lírica brasileira teve entre nós bons — e poucos — representantes. Ocupou o primeiro lugar Gonçalves Dias, o poeta cosmopolita; é seu continuador, com muita inferioridade, Teixeira e Sousa, a quem devemos muito como romancista; pouco, como poeta lírico.

Já levantou uma estátua a Gonçalves Dias a sua província natal; deve, a do Rio Grande, ao cantor do Colombo, e a do Rio de Janeiro, ao cantor dos Tamoios.

Se ainda este povo for suscetível de raciocínio, tenho fé que o José Basílio merecerá qualquer memória de pedra ou um poema de bronze.

O assunto do poeta no poema — Uruguai — é a guerra que a Espanha e Portugal tiveram de sustentar contra os índios de Missões, porque, por um tratado celebrado em 16 de janeiro de 1750 entre as duas nações, ficavam pertencendo a Portugal as terras que os Jesuítas possuíam na parte oriental do Uruguai. Estes incitam os índios a resistir. Espanha e Portugal mandam suas tropas combatê-los; Gomes Freire de Andrade comanda o exército português.

Outros trabalhos de José Basílio, que ainda valem hoje prêmios que ele não teve, o recomendam à gratidão nacional, porque ele nos traçou a figura do jesuíta daquela e desta época, e feriu o despotismo até donde a sua imaginação lhe ofereceu armas.

Teixeira e Sousa — já por mim quase esquecido neste momento; todo esquecido da pátria que o deixou por muito tempo mendigar — ensaiou a épica no seu poema A Independência do Brasil. Magalhães é o épico dramático, o formador ou criador da nossa literatura.

Não venham, amanhã, os alcaides das letras perguntar-me se Joaquim Manuel de Macedo, Alencar e outros não são literatos, não fazem literatura. Há tanta ignorância, que, nem por estar pesado e medido pelo Dr. Moreira de Azevedo o nosso período literário, tenho visto inverter-se o que os meninos já decoraram nas aulas.

Magalhães criou a literatura; Porto Alegre a desenvolveu; Macedo a propagou; Alencar corrigiu-os, fazendo a crítica e formando a mais completa literatura, dando os últimos toques nas grandes telas daqueles mestres e apagando os borrões.

Falava dos poetas líricos.

Mais enérgico nas imagens, e muitas vezes de maior elevação, foi Casimiro de Abreu.

Álvares de Azevedo foi o cantor da morte; foi um gênio.

Bernardo Guimarães — bucólico, elegíaco, lírico — decidiu-se por uma forma, uma escola mais preferida entre todos os literatos.

A poesia épica tem tido poucos representantes. Conheço alguns ensaios, e boa promessa considero o Riachuelo de S. Pereira, outro de Zeferino, e alguns fragmentos, os quais não são a epopeia da guerra.

A poesia dramática tem poucos cultivadores. O criador do teatro moderno queimou as Asas de um anjo; Pinheiro Guimarães discute sobre eleições e preleciona na cadeira de medicina; Varejão não é mais o Aquiles; Machado de Assis casou-se; França Júnior é um cofre; Joaquim Serra não foi mais a Roma; Sizenando Nabuco está envolto na sua túnica; Joaquim Pires não faz mais Demônios; Menezes adormecem à sombra da mancenilha; Salvador espera outro — Bobo —, e José Tito faz Charadas Políticas.

— Como as vozes do mar num canto de Ossian Poucas vezes os ouço — passam longe.

Não precisamos de imaginações sonhadoras e místicas como os poetas do Oriente para enriquecer o teatro; há assuntos na nossa história para os dramas marítimos, militares, políticos.

Por que é que a Idade Média tem um caráter de originalidade, cuja lembrança exalta ainda hoje, depois de tantos séculos, a imaginação dos romancistas e dos poetas? É porque os trovadores vulgarizaram a história dos amores, das vitórias políticas, dos combates guerreiros, os sentimentos de patriotismo.

Eu ainda ignoro para que fim destina o sr. ministro o seu Conservatório.

Erige-te!

Narcisa Amália será a impulsora e o ornamento de uma época literária mais auspiciosa que a presente. Há de redigir os aforismos poéticos, como Aristóteles escreveu os da natureza.

Na história da nossa literatura, o seu entusiasmo moral, que é um culto do seu talento, terá uma consagração nos anais do futuro desta legião de inteligências que está celebrando as glórias do presente.

Não a conheço, mas imagino que, em seu rosto, a tristeza ocupa o lugar da alegria.

— “A funda melancolia Não a seguiu desde a infância, Deus não a fez triste assim... Houve na sorte inconstância, E, se se perdeu a alegria, É de homens obra ruim.” —

A extremosa pureza dos seus pensamentos, o pudor da sua imaginação, bem inculcam que os seus pais lhe anteciparam um tesouro no abençoado curso da sua educação, no santo respeito da família e amor da pátria.

Eu penso que o eco das suas palavras é um concerto de pesares. Ela aborrece a canalha subalterna das letras, porque há uma canalha ilustre que é mais fidalga que a nobreza de decreto; essa, ela estima e aplaude.

Narcisa Amália não é um tipo; é uma heroína.

Sênio acaba de pedir que não elogiem os seus livros de prosa.

Eu peço que julguem o livro de N. Amália, livro que ilumina a grande noite da poeira brasileira.

Quando houver um Conselho de Estado ou um Senado Literário, Narcisa Amália terá as honras de Princesa das letras.

Este livro há de produzir tristezas e alegrias. É a primeira brasileira dos nossos dias; a mais ilustrada que nós conhecemos; é a primeira poetisa desta nação.

Delfina da Cunha, Floresta Brasileira, Ermelinda da Cunha Matos, Maria de Carvalho, Beatriz Brandão, Maria Silvana, Violante, são bonitos talentos. Narcisa Amália é um talento feio, horrível, cruel, porque mata àqueles. Foram as suas antecessoras auroras efêmeras; ela é um astro com órbita determinada.

Eu não critico nem analiso o livro, porque vejo, todos os dias, passar o lirismo, o amor, a fantasia, a heroicidade, a glória literária e artística, como os vultos fatais nas tragédias antigas; vejo sempre, em prolongado silêncio, abafados, como aqueles comprimidos gemidos do Tiradentes, quando tomou posse do seu pedestal.




 
 
 

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