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  • Foto do escritor: Bruno Alves Pinto
    Bruno Alves Pinto
  • 15 de out.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de out.


Nebulosas Narcisa Amália


Texto Original Completo (em domínio público)

Prefácio

V


Posteris tradant

Cantaste a Família, a Pátria e a Humanidade.

A família — pilar da pátria; a pátria — cruz dos tolos; a humanidade — loucura de Deus.

A escolha de um assunto, a do ponto de vista, em que tanto se distinguem Bossuet e Mont’Alverne, na eloquência sagrada; a escolha do momento e da extensão, que no romancista é mais desenvolvida que no historiador, vós a conheceis e praticais como prescrevem as regras.

A escolha das circunstâncias e dos contrastes, da topografia e de seus acidentes — vejo fundidas como relevo de um escudo na descrição do Itatiaia — onde vos admiro igual a Virgílio, quando ele descreve o repouso no meio da noite para fazer contraste com a agitação da rainha de Cartago.

Um acadêmico de São Paulo — João Cardozo de Menezes, hoje condestável da política — já esteve muito perto da vossa imaginação quando descreveu a serra do Paranapiacaba.

ITATIAIA

Ante o gigante brasileiro, Ante a sublime grandeza Da tropical natureza, Das erguidas cordilheiras, Ai, quanto me sinto tímida! Quanto me abala o desejo De descrever num harpejo Essas cristas sobranceiras!

Vejo aquém os vales pávidos Que se desdobram relvosos; Profundos, vertiginosos, Cavam-se abismos medonhos! Quanto precipício indômito, Quanto mistério assombroso, Nesse seio pedregoso, Nessa origem de mil sonhos!

Ondulam ao longe murmúrios Aos pés de esguios palmares, As florestas seculares Cingidas pela espessura; A liana forma dédalos Na grimpa das caneleiras, Do cedro as vastas cimeiras Formam docéis de verdura.

As diferentes espécies de descrição poética enchem o seu livro em vários empregos.

A topografia, em que Buffon foi um dos mais completos prosadores, tem em Narcisa Amália a melhor intérprete na poesia.

A hipotipose impera nesta estrofe:

— “Salve! Montanha granítica! Salve! Brasileiro Himalaia! Salve! Ingente Itatiaia, Que escalas a imensidade! Distingo-te a fronte válida, Vejo-te as plantas, rendida, O meteoro incendiado, A soberba tempestade!”

Nestes e em todos os seus versos, as figuras de palavras andam em profusão, em contínuo atropelo com as do pensamento.

A acumulação, figura que desenvolve e torna mais clara e sensível a ideia principal; as hipérboles, que levam às vezes o espírito a extravagâncias de que se ressentem Milton, Klopstock, Ossian — o rei da apóstrofe — e muitos dos nossos poetas, ocupam, em tempo apropriado, o seu lugar.

Exemplos de antíteses e epifonemas vai a sutil inteligência do leitor colhendo à medida que termina um hino ou idílio.

Ela decora os seus pensamentos, como um devoto enfeita o altar do santo de sua devoção.

As figuras de ornamento, as aposiopeses, as gradações, as alusões e as figuras de movimento e paixão se apostam e se disputam, em rivais competições, para exigir da crítica a confissão de que elas oferecem batalha.

Nesta poesia há uma admirável exuberância de tropos, e a optação — raríssima figura em nossos livros de maior nome — tem ali a sua majestade.

Os pleonasmos e as silépses andam em todo o livro tão obedientes como o porta-ordens de um Estado-Maior.

Este volume de poesias é um templo; — quem o penetrar há de ver dentro um altar construído de lágrimas!

A poesia 25 de Março é um anátema, é uma ameaça. Não conheço muitas que estejam naquela altura.

Resende — é a monografia daquele sempre lutuoso edifício que se levanta no exílio — a saudade.

Releve-me a distinta literata não ir cotejando aqui uma por uma as suas poesias.

Eu as comparo aos hinos da alvorada: um tem a afinação dos outros, o mesmo encanto, a mesma sedução; inebriam-nos e nos elevam a querer compreender o sublime, tudo quanto ao céu se ergue.

Começou a poesia lírica com o homem.

É tão velha como a humanidade; entretanto, é sempre nova!

Primeiro cantou Deus; depois o herói, os reis, os santos.

Os hinos, as odes sacras, os cânticos, os salmos, o Magnificat da Santa Virgem — esse grito do crente no meio do terror — o Cantemus Domine, o Benedictus do profeta, o cântico dos anjos, o Te Deum, essa inspiração de Santo Ambrósio, são os brasões da poesia lírica, e nenhuma outra goza dessas prerrogativas.

Os Dois Troféus, que é um poema, tomou a forma de uma ode heroica — gênero mais difícil na composição lírica.

Se há um governo capaz de compreender as alusões e ironias da poetisa; se há, então as passadas injustiças serão vingadas, aquele patrimônio de brios conculcados será resgatado.

Como exemplo de ode heroica eu só conheço capaz de se aproximar dessa de Narcisa Amália — não na elevação de pensamentos, mas na rigorosa obediência ao gênero — aquela ode de Lebrun, cantando a ruína de Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755.

Quando neste país a República Política galardoar os beneméritos da República Literária, Narcisa Amália exercerá sua ditadura.

Tem ela cantado o amor da virtude, da glória e da pátria.

Não é descrente por moda, como foram os imitadores de Musset; não é cética como os de Goethe; é republicana como Schiller, como Tétis da Cunha e Landulpho; é intransigente como a fatalidade.

Gonçalves Crespo e Campos Carvalho, acadêmicos brasileiros em Coimbra, ao receberem este livro, hão de se possuir de entusiasmo.

Coimbra!.. a mágica cidade Dos infortúnios de Inês,

Poderia ser o trono do talento de Narcisa Amália, porque ela compreende por que angústias passou aquela mártir e pode fazer os comentários da desgraça do príncipe e da rainha depois de morta.

Deve a autora de Nebulosas escrever um poema didático, e, se vierem açoita-la os ventos da inveja e os mil desdéns da ignorância atrevida, deve escrever — um poema épico. É a tendência de sua índole literária.

Estreou-se emancipada da poetisa-virgem, do verso-compendiário, da literatura-artesã, que aí vivem estucando e destilando belas sujidades e obscenas audácias.

Há de vir a época em que o sentimento de patriotismo reivindicará os nomes desses talentos extraordinários.

Seu estilo vigoroso, fluente, acadêmico; a riqueza das curvas, tão eufônicas, tão reclamadas e necessárias ao verso lírico; suas convicções falando à alma e à imaginação justificam sua já precoce celebridade, confirmam sua surpreendente e rápida aparição, procedida do respeitoso coro da crítica sincera e grave.

Há uma nota dominante em seu espírito que põe em aflito conchego a dor sem consolo no lar da tristeza. Quando sua grande alma quer divorciar-se de seu grande coração — ambos se petrificam.

Não sabe fingir nem falsificar.

Em seus versos se conhece que ela é indiferente aos nossos capitais, às nossas fortunas e riquezas, e lhe causa tédio tudo quanto a rodeia.

A fé — que aplainou os abismos; a crença — que aplainou as montanhas — vivem em seu espírito. Fé nas conquistas do talento; crença em seus esforços para encaminhar sua timidez até a hora de transformá-la em poder.

Tem o seu livro imagens novas, figuras pomposas que pedem nova retórica e que se invente nova poética.

Do estudo rápido que fiz, notei que não quis aprender a dourar a trivialidade com grandes palavras e banalidades grandes — o que tem valido a muita gente uma falsa reputação de sábia.

Em sua prosa poética, em alguns artigos que li no Eco Americano, na Revista Artes e Letras, de Lisboa, mostra-se que sua inteligência não está a serviço da frivolidade.

Se ela governasse, nem os papas nem os reis teriam horas certas para o descanso.

Há em todas as suas composições poéticas um ponto de fixidez imaginativa que anda ao par da vivacidade de emoções, e a expressão do sentimento é sempre forte e concisa.

Sua individualidade literária acusa um caráter leal e capaz de todos os sacrifícios pelas grandes causas.

Sabe ajustar o estilo ao assunto; é elegante nas descrições mais breves; tem graça e doçura sua linguagem quando descreve a vaidade das outras mulheres. O Baile é um modelo de sátira, de sarcasmo, de ironia discreta.

Os literatos brasileiros dirão o que eu não sei narrar nem conhecer para expor.




 
 
 

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