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Resumo Por Capítulo: A Hora da Estrela

Parte 2


Antes de tudo, a moça nordestina era uma incompetente, incapaz de se ajeitar, ausente de si mesma. Cometia muitos erros em seu trabalho como datilógrafa e por isso recebeu uma promessa de demissão de seu chefe, respondendo, por respeito, “Me desculpe o aborrecimento”.


Após esse aviso a moça vai ao banheiro e se olha em frente ao espelho deformado, que dá ao seu nariz os contornos do de um palhaço: repara nas manchas de sua pele, apesar de jovem; seus ombros são curvos; os olhos saltados são interrogativos, mas não se sabe do quê. Queria viver porque tinha que viver. Era feliz por obrigação.


Nascida raquítica no sertão de Alagoas, órfã de pai e mãe, cujos nomes desconhecia, a moça foi criada por uma tia beata à base de cascudos na cabeça. Teve o desejo de criar um cachorro, mas a tia lhe proibiu. Nunca sentiu atração pela religiosidade e foi para o Rio de Janeiro sem saber bem o porquê.


Na cidade teve um emprego arranjado pela tia e, desde sua morte, vive num quarto com mais quatro moças, na Rua do Acre. Trabalha na Rua do Lavradio e fica os domingos no cais do porto a espiar os navios que dão prolongados apitos, suscitando saudades não se sabe do quê.


Sem coragem de ter gosto em qualquer coisa, a moça tinha como único luxo um gole de café frio antes de dormir, compensado por uma azia ao acordar. Seus sonhos variavam entre os cascudos da tia e algo de sexo, que a fazia acordar sempre culpada, já que tudo o que era bom lhe parecia proibido.


Certa vez, no cais do porto, teve um breve êxtase ao ver um arco-íris, que a lembrou dos fogos de artifício vistos em Maceió. Uma vez por mês ia ao cinema. De manhãzinha ligava o rádio que dava a hora certa e “cultura” – pequenas informações históricas que de nada lhe serviam.


Seu vazio interior a permitia um contínuo estado meditativo, que no trabalho propiciava mais erros de datilografia. Seu único prazer era colecionar imagens de anúncios de jornal em um álbum. Não tinha apetite, apenas fome – um dia soube ter comido gato frito e desde então tinha enjoos ao ingerir alimentos. Nunca jantou em restaurantes. Desconhecia o significado de muitas palavras. Nunca recebeu presentes.


Entre as poucas novidades em sua rotina, esteve um homem bonito que viu no botequim em que almoçava. Outro dia teve vontade de descansar as costas e inventou uma extração de dente para pedir folga a seu patrão. Sozinha em casa ligou o rádio alto e dançou, percebendo que nunca havia sido contente assim em sua vida – era a primeira vez que recebia algo de alguém, ainda que de si mesma.



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