Primeira Parte
2 - Reformas Radicais
Há dez dias Major Quaresma não saía de casa. Mantinha seus rituais de refeições e estudos acerca de sua pátria. Empreendia um grande esforço para organizar um sistema de cerimônias e festas baseados nos costumes mais tradicionais do povo brasileiro. Após reunir tanto conhecimento, o homem concluiu que precisava produzir conteúdo que auxiliasse o Brasil a caminhar rumo à sua predestinada grandiosidade.
Tal preocupação com as festividades surgiu por ocasião da folia do “Tangolomango”, organizada na casa do general Albernaz, que se animou em recuperar as tradições regionais após a visita de Ricardo Coração dos Outros e suas modinhas. O vizinho de Quaresma, que era general sem nunca ter participado de uma batalha, esperava reunir visitas em sua residência para conseguir noivos às suas filhas.
Inicialmente, o major e o general procuraram pela tia Maria Rita, uma preta velha, que podia se lembrar de tradicionais cantigas, porém ela havia se esquecido de quase todas. Quaresma desanimou-se, incrédulo que o brasileiro não guardasse a sua cultura de apenas algumas décadas anteriores, enquanto havia civilizações que as mantinham por séculos.
Cavalcanti, noivo de Ismênia, recuperou o entusiasmo dos senhores ao indicar um velho poeta que se empenhava em reunir canções populares em seu acervo. O homem, que nunca recebia atenção por seu trabalho, ficou feliz em atender Policarpo e Albernaz, declamando-lhes cantigas e narrando contos folclóricos. Enfim, sugeriu que fizessem a folia do “Tangolomango”, na qual um deles deveria se vestir com uma roupa “estrambólica” e uma máscara de velho.
Na ocasião da festa a casa do general se encheu. Quaresma fantasiou-se e dirigiu a folia, que reunia um coral de crianças, mas teve um desmaio repentino.
Após este fato Policarpo deu ainda mais atenção aos costumes festivos: leu diversas publicações sobre o tema e, para sua decepção, descobriu que a maioria das cantigas tradicionais eram originárias de outros países, inclusive a folia do “Tangolomango”. Por tal motivo empenhava-se, há dez dias trancado em sua casa, a encontrar uma tradição genuinamente brasileira.
Compadre Vicente e sua filha, Olga, foram visitar o patriota, que recebeu-os com berros de choro, alegando que era este o costume dos tupinambás ao encontrar amigos.
O compadre, um italiano quitandeiro, havia sido ajudado por Quaresma ainda jovem, quando teve problemas financeiros e conseguiu com ele um empréstimo – a partir do qual ergueu sua fortuna. Sua filha foi apadrinhada por Quaresma, por quem sentia grande estima.
O Major confidenciava a Olga seus recentes estudos e aspirações quando Ricardo Coração dos Outros surgiu com seu violão. O compositor falava sobre as dificuldades de tocar o instrumento e Policarpo o interrompeu, alegando que havia outros mais difíceis, como o maracá e a inúbia – antigos instrumentos caboclos. Armou-se um conflito, a ponto de o Major insultar o músico, dizendo que violão era um instrumento de capadócio (desocupado, malandro). Olga assistia a cena espantada pela abrupta mudança de ânimo de seu padrinho.