Romance VIII ou Do Chico Rei
Cecília Meireles evoca a figura lendária de Chico Rei, um escravo africano que, segundo a tradição, teria conseguido comprar sua liberdade e a de vários de seus compatriotas com o ouro que secretamente extraía. O poema é rico em simbolismos e metáforas que refletem a opressão do trabalho escravo e a resistência silenciosa dos escravizados.
A repetição do rugido do tigre nas praias do mar simboliza a ameaça constante e o poder avassalador de Portugal sobre o Brasil colonial. A insistência na extração de ouro ("O Rei pede mais ouro, sempre, para Portugal") representa a exploração contínua e insaciável dos recursos e do trabalho dos escravizados. A comparação do trono com elementos celestiais como a lua, estrela e sol contrasta com a dura realidade de lama e cascalho em que os escravos trabalham, criando um paralelo entre a riqueza distante dos monarcas e a miséria presente dos trabalhadores.
O poema também explora a memória e a nostalgia de uma liberdade perdida. A referência a Luanda e ao Congo como lugares de origem e realeza perdidas sugere um passado de dignidade e soberania destruído pelo cativeiro. A esperança de libertação é um tema recorrente, com o personagem de Chico Rei expressando a iminente libertação de seu filho e, simbolicamente, de todo seu povo. A inversão final, onde "os brancos também, meu povo, são tristes cativos," subverte as expectativas e pode ser interpretada como uma visão profética de uma justiça histórica.
A celebração à Virgem do Rosário no final do poema é significativa. A Virgem do Rosário é uma santa profundamente venerada pela comunidade afro-brasileira, especialmente entre os escravos, como uma figura de consolo e esperança. Sua presença no poema reafirma a resistência cultural e espiritual dos escravizados, que, apesar das adversidades, mantêm suas crenças e tradições.