Romance IX ou De vira-e-sai
Santa Ifigênia, uma princesa núbia (de origem africana, mais exatamente da Etiópia), é retratada descendo as encostas para trabalhar entre as pedras e águas, empregando seu poder sobrenatural. A figura de Santa Ifigênia, associada ao mito e à espiritualidade, simboliza a esperança e a resistência dos escravos africanos. Este símbolo religioso é amplamente venerado pelas comunidades afro-brasileiras, especialmente nos contextos de mineração, onde muitos escravos foram obrigados a trabalhar em condições desumanas.
A menção a "Chico Rei", um escravo que, segundo a tradição popular, conseguiu comprar sua liberdade e a de muitos outros escravos com o ouro que extraía, enriquece o poema com um sentido histórico e mítico. A interação entre Santa Ifigênia e Chico Rei realça a fusão entre o sagrado e o humano, uma característica notável na obra de Meireles. A presença da santa na mina, invisível entre os escravos, sugere a ideia de proteção divina e solidariedade entre os oprimidos, trazendo um alento espiritual e reforçando a resistência dos escravos.
Os elementos naturais como "folhagens de ouro" e "raízes de ouro" nos vestidos de Santa Ifigênia evocam uma integração entre a terra e a espiritualidade, onde o trabalho árduo dos escravos é transmutado em um ato quase sagrado. A transição final, onde Santa Ifigênia "vira-e-sai", marca a passagem do tempo e a efemeridade das aparições divinas, mas também a perenidade do espírito de resistência e esperança.
Desta forma, o poema dialoga com a totalidade do "Romanceiro da Inconfidência" ao capturar a tensão entre a opressão colonial e a busca por liberdade, utilizando figuras históricas e míticas para tecer uma narrativa poética rica e multifacetada. Cecília Meireles emprega a linguagem lírica para recontar a história brasileira, infundindo-a com uma dimensão espiritual e emocional que transcende o tempo e as circunstâncias históricas específicas, fazendo da luta dos inconfidentes um símbolo universal de resistência e esperança.