
Capítulo 4
A chegada de Raimundo motivou a visita de diversos amigos da família na casa de Manuel.
As Sarmento eram uma tia e suas duas sobrinhas, reconhecidas pelos seus grandes cabelos e penteados: as garotas eram Bibina (Bernardina) e Etelvina, esta última muito magra, feia, com dentes podres e detestada pelos rapazes; a velha tia D. Maria do Carmo, viúva, era uma mulher nervosa e com mania de falar em doenças e remédios.
D. Amância Souselas era uma velha mexeriqueira com grande memória para contar sobre a vida de todos. Nunca se casou e era dada às tarefas da Igreja. Detestava o progresso, que só servia para facilitar as tarefas a serem feitas pelos escravos. Também gostava de contar piadas baixas e grosseiras.
A viúva Eufrasinha também se fez presente, ostentando uma exagerada maquiagem e sempre desconfiada de duplos significados em tudo o que lhe falavam.
Freitas, homem desquitado de uma mulher “que se atirara aos cães”, mantinha uma aparência impecável, era um funcionário público exemplar e valorizava a estabilidade em todos os aspectos de sua vida. Lindoca, sua filha, era uma menina muito gorda, o que lhe causava profundo descontentamento.
Luís Dias também estava na sala, com olhar dominador sobre Ana Rosa, que tocava ao piano.
Raimundo descrevia suas viagens pela Europa, para o encanto das moças presentes. Discretamente, Maria do Carmo contava a D. Amância sobre a misteriosa origem do rapaz, da qual ela fora testemunha.
Maria Bárbara ralha com Benedito, moleque negro serviçal da casa, constrangendo as visitas. Freitas comenta que os escravos são necessários, porém muito imorais, principalmente as mulheres, sendo péssimas influências às crianças, além de um risco à saúde familiar. Subitamente o Benedito cruza a sala, sem camisa, e foge em disparada, sendo imediatamente perseguido por Dias.
Maria Bárbara relata que o menino estava se recusando a colocar uma roupa decente para servir água às visitas e chama Brígida, outra escrava, para fazer o serviço. Também trabalhavam na casa Mônica, já idosa, que fora ama de leite de Ana Rosa e agora lavava roupas, mais três pretas que engomavam, cozinhavam, tiravam pó e levavam recados.
Amância e Maria do Carmo passaram a falar sobre a “vida mole” que levavam os escravos daquele tempo, criticando a sem-vergonhice de seus bailes e das manias de imitarem seus senhores.
Encerrada a música de Ana Rosa todos a aplaudiam e elogiavam, exceto Raimundo, que fumava distraidamente. A garota, acostumada a ser o centro das atenções, ficou decepcionada ao ver que o visitante sequer reparava nela. Para completar a situação, Eufrasinha procurou a amiga para elogiar a beleza e a postura de Raimundo.
Chegaram mais dois homens: José Roberto, também chamado seu Casusa, com vinte e tantos anos, tipo local, violeiro, magro e com dentes mal cuidados, avesso às riquezas e aos portugueses; e Sebastião Campos, com o dobro da idade do primeiro, viúvo da primeira filha de Maria Bárbara, senhor de um engenho de cana, bairrista e nacionalista, muito conversador e severo com os negros. A dupla invadiu a sala fazendo piadas e dando apelidos às moças. A reunião logo se animou ao som do violão de seu Casusa.
Enquanto isso Freitas importunava Raimundo com histórias de São Luís, lembranças de eventos culturais e festas populares, descritas minuciosamente, para desespero do viajante, que não tinha o menor interesse na conversa. Freitas intencionava emendar mais relatos quando a mesa foi servida.
Durante o jantar Dias retornou carregando o Benedito, sob os elogios de todos os presentes.
Terminada a refeição as moças se despediam quando, por educação, Raimundo ofereceu-se para acompanhar as Sarmentos até sua residência – e elas aceitaram.
Retornando a casa, muito cansado, Raimundo trancou-se em seu quarto, fumou um cigarro, tentou ler um livro, mas dormiu rapidamente. No mesmo momento, bem próximo dali, alguém pensava nele.