Capítulo 1
O Conselheiro Vale morreu subitamente de um acidente vascular cerebral: não houve tempo para que o Dr. Camargo empregasse seus conhecimentos da medicina, nem para que o Padre Melchior o consolasse com a religião.
O enterro, no dia seguinte, foi um dos maiores acontecimentos do Andaraí: o conselheiro veio de famílias tradicionais e, embora não ocupasse qualquer cargo político, era bem visto tanto por conservadores quanto pelos liberais – simpatizava com ideais de ambos partidos.
Sua família compunha-se de sua irmã D. Úrsula, solteira com mais de cinquenta anos, e seu filho Dr. Estácio, com vinte e sete anos, formado em matemática – apesar do apoio paterno para que se encaminhasse na política ou na diplomacia.
Dr. Camargo, além de médico, era um grande amigo e uniu-se à família para procurar o testamento do conselheiro. Ao encontrá-lo, guardado em uma gaveta do escritório, criou um suspense ao dizer que ali poderia haver uma “lacuna” ou um “excesso”, ou mesmo “um erro”. D. Úrsula e Dr. Estácio não compreenderam a observação e ficaram ansiosos por saber do que se tratava.
Voltando à sua casa, Dr. Camargo entendeu que fora melhor ter preparado a família para alguma surpresa. Ele, que era um homem fechado sentimentalmente, estava um tanto abalado com a situação: pediu que sua amada filha, Eugênia, deixasse de tocar certa música que era muito alegre para o momento; D. Tomásia, sua mulher, também lamentava a tristeza daquele dia, mas a considerava como parte necessária da vida.
Eugênia percebeu a feição estranha de seu pai e perguntou-lhe se havia ocorrido algo na casa do conselheiro, ele respondeu negativamente e deu-lhe um beijo em sua testa – atitude que nunca havia tomado até então. Na manhã seguinte a garota enviou um bilhete a Andaraí, cuja resposta, chegada ainda pela manhã, a tranquilizou.