Aventura de Ogum
Don’Aninha era uma mãe-de-Santo amiga dos Capitães da Areia, ajudando-os a curar doenças, ou mesmo com uma palavra amiga, assim como fazia com todos os pobres da Bahia. Os garotos tinham para com ela o mesmo respeito que tinham com o Padre José Pedro.
Numa noite de inverno o céu se agitava: “Ogum se revoltava”, dizia Don’Aninha. A polícia havia apreendido um Ogum que estava no altar de um terreiro. Agora ela pedia ajuda aos Capitães da Areia para resgatar a imagem, que era guardada numa sala da delegacia. Antes Aninha havia falado com um professor da faculdade, estudioso do candomblé, mas ele estava mais interessado em ter a imagem em sua coleção pessoal do que em ajudar o terreiro.
Os pobres eram impedidos até mesmo de ter sua fé, de cantar para seus deuses, era o que dizia a mãe-de-Santo, convencendo Pedro Bala a cumprir a arriscada tarefa. Padre José Pedro falava em uma justiça divina, no reino dos céus, onde todos seriam iguais, mas o líder dos Capitães não acreditava que isso compensasse a injustiça que acontecia em terra, e precisava fazer sua parte.
Sem-Pernas e João Grande não acreditavam que seria possível recuperar o Ogum da delegacia, mas Pedro Bala, que havia dado sua palavra, fez um plano rápido e saiu para cumpri-lo.
A noite de tempestade fazia os garotos se amontoarem contra o frio. Alguns tinham paletós e sobretudos, como o Professor. Certo dia ele desenhava na calçada um homem que trajava um grande sobretudo, mas o homem não gostou do desenho e chutou o garoto. Revoltado, o Professor o perseguiu e, após cortar sua mão com uma navalha, roubou-lhe o sobretudo. Anos depois, quando ele fosse um pintor admirado pelo país, sempre retrataria os homens ricos, gordos, com seus grandes sobretudos.
Pedro Bala se dirigia para frente da Central de Polícia, chamando um guarda e pedindo que o deixasse dormir na delegacia, pois estava perdido de seu pai. Sem reconhecê-lo como o líder dos Capitães, o guarda apenas o mandou embora. Pedro saiu com cara de choro, em direção ao ponto do bonde, onde desembarcou um casal. O garoto ameaçou roubar a mulher, chamando a atenção do guarda que o levou, enfim, para dentro da delegacia. Lá ele já avistou a imagem de Ogum, guardada num armário, na sala onde outros marginais esperavam para conversar com o comissário. Embrulhou o Ogum em seu paletó e o fez de travesseiro.
Durante a noite Pedro Bala foi chamado ao comissário, que desconfiou de sua história: ele seria filho de um pescador que não voltou do mar durante a tempestade daquela noite e fingiu roubar o casal que saía do bonde apenas para que fosse abrigado na delegacia. Para convencer o policial, Pedro informou o nome de um verdadeiro saveirista (pescador), que ele conhecia. O comissário confirmou a identidade do suposto pai do garoto e o liberou. Ninguém notou quando Pedro Bala levou Ogum consigo, enrolado em seu paletó.
Nas ruas da Bahia, Pedro cruzou com João Grande, Gato e o Professor, que estavam à sua procura. Pedro Bala admitiu que teve muito medo de ser descoberto, mas o importante era que agora o céu se abria e o sol brilhava novamente, Ogum estava livre.