Prefácio do Autor
O autor considera importante explicar o que o levou a escrever essa obra.
Em 1936, prestes a visitar Buenos Aires, onde haveria um congresso literário, Stefan Zweig recebeu seu primeiro convite para vir ao Brasil – que ele considerava apenas mais uma desorganizada república sul-americana, bem servida tanto em problemas como em oportunidades: uma região para “colonos desesperados”, distante de qualquer curiosidade intelectual.
Essa visão mostrou-se equivocada, a ponto de fazê-lo considerar que o Brasil estava destinado a ser um dos mais importantes atores no futuro da humanidade.
Lamentando o desconhecimento de muitos sobre as dimensões continentais desse país, ou mesmo sobre sua língua, a portuguesa, muitas vezes confundida com a espanhola, Stefan relata que se surpreendeu, chegando ao porto do Rio de Janeiro, tanto pela paisagem natural quanto pela urbana, cuja arquitetura grandiosa unia o novo a uma “cultura espiritual antiga”, “preservada pela distância”.
Tendo viajado 14 horas país adentro, até São Paulo e Campinas, o escritor judeu-austríaco percebeu ter conhecido somente a “pele” do Brasil, cujo tamanho fazia dele não apenas uma nação, mas sim uma “parte do mundo”, com um potencial incalculável de desenvolvimento.
Para Stefan Zweig essa primeira visita rápida ao país já dava sinais de que havia ali uma semente do que o mundo haveria de se tornar. Após adiar repetidamente seu retorno ao Brasil, por conta das diversas guerras que tomavam a Europa, ele viu essa possibilidade como uma salvação: enquanto seu velho mundo se destruía, no Brasil um novo mundo se construía, com paz e inovação.
Julgando-se mais bem preparado para descrever esse país, Zweig reconhece que ainda precisaria visitar muito mais lugares e pessoas para poder ter uma real dimensão de sua grandeza, mas lembra que o próprio Brasil ainda não possui uma visão completa de si – o que tornaria isso impossível também a qualquer estrangeiro.
De tudo o que vivenciou entre os brasileiros, aquilo que mais atraiu a atenção de Stefan Zweig teria sido uma questão espiritual e moral, fonte de infindáveis disputas no velho mundo, mas que aqui parecia bem resolvida: a boa convivência entre pessoas de raças, classes, cores, religiões e convicções diferentes. É este o seu testemunho central, portanto, nesta publicação.
Enquanto a Europa se via por séculos envolta em batalhas por supostas supremacias territoriais, o Brasil era o lugar em que todas as cores se misturavam: talvez nada definiria melhor um brasileiro do que uma origem mestiça.
Essa combinação, inclusive, aliada às condições climáticas dos trópicos, estaria dando origem a um tipo humano mais belo e gentil, modesto e delicado, em que os grandes contrastes entre raças estariam mais aplainados, formando uma verdadeira identidade nacional.
A atmosfera conciliadora poderia ser sentida assim que se desembarcava no Brasil: nenhuma questão se resolvia com ódio, todos antagonismos eram amenizados. A política, ainda restrita a círculos de poder, não influenciava toda a população com fanatismos sectários. O clima mais propício ao relaxamento, ainda que gerasse impactos econômicos negativos, também era responsável pela vida suave e serena.
O autor não deixa de apontar elementos que faziam do Brasil um país ainda atrasado: grande parte da população vivendo com um padrão de vida muito reduzido, falta de confiabilidade nos serviços básicos, além da impontualidade dominante nas relações.
Ainda assim, Stefan sugere que a medição da qualidade de vida em um país baseando-se somente no acesso a bens materiais estaria equivocada. O elemento “espiritual” expresso no suposto pacifismo brasileiro teria um valor humanitário que o faria mais civilizado e culto que outras nações, que até poderiam ter organização e conforto superiores, mas cujos espíritos agressivos continuamente as levariam a embates violentos.
Para ressaltar essa passividade do brasileiro, Zweig reforça uma suposta aversão histórica à guerra e ao imperialismo, uma tendência à tolerância e à receptividade. De forma controversa, o austríaco afirma que aqui nunca houve perseguições religiosas e que a escravidão teria se dado de forma mais humana. Ele ainda elogia as transições de regime sem derramamento de sangue e pondera que, ainda que vivesse uma ditadura, o Brasil oferecia mais liberdade e satisfação individual que muitos países europeus.
Justificando esta obra, portanto, o autor considera seu dever apontar a esperança de novos futuros, onde quer que isso seja possível.