Capítulo 7
O narrador lia um romance em seu quintal, à tarde, sob a sombra da mangueira. O texto lhe era agradável, não tanto pela qualidade literária, mas mais por sua própria condição pessoal: Luís experimentava certa estabilidade financeira, sem grandes dívidas e sem problemas no trabalho. Ler obras ordinárias lhe traziam contentamento: o texto, de tão ruim, parecia incentivá-lo a escrever seu próprio livro.
Enquanto interrompia a leitura para acender um cigarro o narrador distraiu-se com uma movimentação nova no quintal vizinho, que era separado por uma mera cerca: uma jovem de cabelos amarelos, fogosos, olhos azuis e unhas pintadas cuidava das plantas. “Uma lambisgoia”, ele considera.
Indagada, Vitória relata a seu patrão que a antiga vizinha, uma senhora idosa, havia morrido há pouco e uma nova família havia se mudado.
Luís distrai-se da leitura a todo momento, observando a moça que não para de zanzar pelo quintal. Quando ela também lhe direciona o olhar ele fica encabulado: aos trinta e cinco anos, funcionário público, ele tem uma vida regrada por regulamentos, não sabe flertar e, acima de tudo, se considera feio. A imagem da jovem, porém, não deixa sua mente em paz e ele luta para se desfazer dessa “tolice”.
No dia seguinte, ao sentar-se novamente sob a mangueira, Luís volta a observar sua vizinha a podar roseiras, agora acompanhada de uma senhora mais velha. Como ele ia bem de dinheiro, sem grandes preocupações, considera alimentar seu interesse romântico.
Até então Luís escapara dos desejos amorosos: a fome e a pobreza pela qual passara eram um impeditivo. Quando raramente aproximava-se de alguma mulher, percebia estar fazendo tolices: certa vez convidou d. Aurora, dona da pensão onde morava quando jovem, para uma ida ao cinema. A mulher levou sua neta, que cruzou com ele suas pernas na escuridão da sala. Luís, porém, só conseguia contar o prejuízo que levava ao pagar os ingressos, refrescos e sorvetes para suas convidadas. “Maluco, trouxa, filho de uma puta”, ele próprio se xingava.
Refletindo sobre seus casos amorosos, o narrador lembra-se de uma rapariga “selvagem” que conhecera no Cavalo Morto, que berrava indecências enquanto namoravam, e de uma alemã bonita, Berta, com quem ele mal acreditava ter se relacionado.
Enfim, Luís percebe que tem algum valor, alguma posição social, e que poderia até mesmo se casar! Esta noite ele mal consegue dormir: os cabelos de fogo, os olhos azuis e as pernas da vizinha o fazem pensar em safadezas. Estes acessos de paixão, quando acontecem, costumam durar toda a semana.